domingo, 2 de novembro de 2008

Controvérsias da Videoconferência no Processo Penal

Fomos surpreendidos uma vez mais, pelo STF, acerca do assunto “Videoconferência no Processo Penal”. Tento entender, de todas as formas juridicamente imagináveis, os motivos que levam à Suprema Côrte a desvirtuar e desmerecer, sobremaneira, a utilização de uma ferramenta da qual apenas vantagens se destacam quando do seu uso. E principalmente, desconsiderar a evolução tecnológica evidente em nosso habitual.

Imagino, que nossos Exmos. Ministros precisem aprofundar-se com mais empenho no que venha a ser, efetivamente a videoconferência. Em poucas palavras e sem muito adentrar na questão para que não fique demasiado técnico, sinto-me na obrigação de explanar sobre o assunto com a nobre intenção de tentar elucidar o que realmente vem a ser tal tecnologia. Para muitos, não passa de uma forma de diversão e entretenimento, que vários de nós utilizamos quando queremos, por exemplo, em viagens ou mesmo em nossos trabalhos, ver nossos filhos e parentes distantes. Nesses casos, utilizamos equipamentos amadores e acesso à Internet. Porém, a videoconferência, da forma como é intentada pelo Judiciário do Estado de São Paulo, é muito mais do que isso. É profissional e cercado de normas de Direito desde a sua implantação até a sua efetiva utilização.

Pois bem, videoconferência é a forma em que duas ou mais pessoas se comunicam, à distância. Em conseqüência, deixa de existir a necessidade de deslocamento físico de ambas as partes, podendo essas mesmas pessoas encontrar-se em qualquer lugar do planeta, desde que devidamente conectadas. As comunicações acontecem em tempo real, onde há interação instantânea das partes participantes. Utiliza-se ainda o termo “virtual”, que é muito bem definido pelo dicionário Houaiss como “que constitui uma simulação de algo criado por meios eletrônicos”. Essa simulação de proximidade é exatamente o rompimento da barreira da distância proporcionado pelo meio eletrônico.

No caso do Judiciário de São Paulo, faz-se as audiências de forma profissional, ou seja, com a utilização de equipamentos e softwares dedicados exclusivamente à essa função, garantindo assim a segurança do feito, e transparência de todos os atos. Há locais preparados, dentro dos presídios, para tais oitivas, e as garantias constitucionais e processuais penais são consideradas e respeitadas. E há, principalmente, inegável economia de tempo e pecúnia.

Um outro ponto que merece reflexão, é ainda quanto à lei 11.819/05 de São Paulo, que autoriza o interrogatório de réus por videoconferência. Na verdade o que suscita o SFT é que tal diploma estadual fere a Lei Maior, em seu Art. 22, I, que versa:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

Há, nesse sentido, um posicionamento já convencionado entre a doutrina e vários magistrados, inclusive dentro da própria Turma julgadora do HC 90900 que ensejou essa decisão. A exemplo disso, a relatora Ministra Ellen Gracie foi favorável à realização da videoconferência, e assevera: “O tema envolve procedimento, segundo entendo, e não processo penal”. Assim, para ela, o estado de São Paulo não legislou sobre processo, mas sobre procedimento. Disse ainda “que é perfeitamente legítimo no direito brasileiro nos termos do artigo 24, XI da Constituição”, não entendendo haver inconstitucionalidade formal da norma questionada.

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
...
XI - procedimentos em matéria processual;

Mister mencionar ainda, que já existe no ordenamento jurídico brasileiro, dispositivo acerca da utilização legal do interrogatório à distância, por meio eletrônico. Trata-se do Decreto 5.015/04, que confirmou a participação do Brasil junto a 146 países que assinaram a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo. Dispõe o Art. 18, 18:
“Se for possível e em conformidade com os princípios fundamentais do direito interno, quando uma pessoa que se encontre no território de um Estado Parte deva ser ouvida como testemunha ou como perito pelas autoridades judiciais de outro Estado Parte, o primeiro Estado Parte poderá, a pedido do outro, autorizar a sua audição por videoconferência, se não for possível ou desejável que a pessoa compareça no território do Estado Parte requerente. Os Estados Partes poderão acordar em que a audição seja conduzida por uma autoridade judicial do Estado Parte requerente e que a ela assista uma autoridade judicial do Estado Parte requerido.”

Retornando ao voto do relator, muito se discutiu acerca da previsão legal do Art. 185 do Código de Processo Penal, que diz:

Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.
§ 1o O interrogatório do acusado preso será feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, o interrogatório será feito nos termos do Código de Processo Penal.
§ 2o Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor.

Afirmou-se que a matéria (interrogatório) já se encontra explicitamente regulada no artigo supra, sendo a matéria entendida como processo, e em sendo processo, é a União que detém a exclusividade para estabelecer a disciplina legal.

Doutrinariamente e jurisprundencialmente o interrogatório é considerado ato de instrução utilizado como meio de prova e, principalmente, meio de defesa. A lei determina os momentos para o interrogatório (inquérito policial, logo após o recebimento da denúncia ou da queixa, no plenário do Júri, etc. Ademais, é dispensável, pois senão, não haveria julgamento à revelia.
Acho importante reproduzir aqui, parte do brilhante voto Desembargador Ferraz de Arruda, em processo de Habeas Corpus acerca do mesmo assunto:

“... O argumento de que o contato direto do juiz com o réu é necessário porque aquele pode aquilatar o caráter, a índole e os sentimentos para efeito de alcançar a compreensão da personalidade do réu, para mim, é pura balela ideológica.
Em vinte anos de carreira não li em nem decidi um processo fundado em impressões subjetivas minhas, extraídas do interrogatório ou depoimento pessoal do réu. Mesmo porque a capacidade humana de forjar, de dissimular, de manipular o espírito alheio é surpreendente, de tal sorte que é pura e vã filosofia que de um único interrogatório judicial se possa extrair alguma conclusão segura sobre a índole e personalidade do réu. Aliás, nem um experiente psiquiatra forense conseguiria tal feito, ainda mais quando o juiz é obrigado a seguir as formalidades do artigo 188 e incisos do Art. 187, do Código de Processo Penal.
Vamos dar dois exemplos:
1) O juiz condena o réu porque sentiu um certo cinismo de sua parte ao lhe responder as perguntas, inclusive por trazer sempre presente, no canto esquerdo da boca, um leve sorrido (sic) irônico. O juiz pode colocar este seu sentir subjetivo na sentença como elemento de prova contra o réu?
2) O juiz absolve o réu porque este se mostrou choroso e sorumbático no interrogatório. O juiz pode se fundamentar nessas impressões pessoais para absolver o réu ou concluir contra qualquer outra coisa em favor deste? ...”

Superado essa fase sobre tão grande celeuma, proposta quase que exclusivamente pelo STF, é forçoso asseverar acerca das garantias constitucionais que tanto se buscam.

Inicialmente, e com patente razão, é importante que o homem não fique refém da tecnologia, e que ao contrário, a tecnologia seja, de toda forma, uma ferramenta capaz de tornar a vida humana mais confortável e justa.

Diante disso, vejamos:

Dignidade humana (Art. 1º, CF): esse é um tema complexo, mas que em relação ao tópico, justifica-se por si só. Disponho algumas questões: não é mais digno o réu não precisar ser levado fisicamente à presença do juiz, visando com isso evitar o seu deslocamento e gastos com escoltas, por não constituir um meio de prova muito confiável? Não é mais atenuante ao desgaste físico e psicológico do réu, por não ter que se submeter a transporte desumano em viaturas totalmente fechadas, escuras, sem iluminação, sem ventilação, sem banco, sem cinto de segurança e sem a mínima segurança exigível pelo Código de Trânsito Brasileiro, em evidente afronta ao princípio da dignidade humana?

Celeridade processual (Art. 5º, LXXVIII): um réu interrogado por videoconferência tem garantido o rápido andamento do seu processo, visto que (já indicado anteriormente) não dependerá do “falido” Estado para garantir-lhe a remoção até o juízo onde acontecerá audiência. O feito acontecerá no local onde ele esteja recluso, podendo ser em qualquer parte do País.

Ampla defesa e Contraditório: sem comentários acerca desse tema! Não há violação alguma, pois todos os relevantes pontos do Código de Processo Penal são alcançados. Trataremos especificamente do assunto em outra ocasião. Apenas ressalto que no Sistema da Videoconferência adotado pelo Judiciário de São Paulo, não há restrições alguma à defesa penal.
Por fim, só pode haver nulidade quando há prejuízo quanto há eminente afronta ao Art 563 do Código de Processo Penal, que dispõe:
Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.
Em suma, não há hipótese de prejuízo e é lamentável a posição do STF, que insiste a se opor a uma realidade tão presente. Esperemos, todos nós juristas, que a Suprema Côrte também não nos obrigue a utilizar máquinas de datilografia (para evitar famosos cortar/colar) e que nossos tribunais retornem (os que já se informatizaram) ao uso antiquado do papel, em face do digital.

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