terça-feira, 25 de novembro de 2008

STJ - Justiça usa Código Penal para combater crime virtual

Crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação), furtos, extorsão, ameaças, violação de direitos autorais, pedofilia, estelionato, fraudes com cartão de crédito, desvio de dinheiro de contas bancárias. A lista de crimes cometidos por meio eletrônico é extensa e sua prática tem aumentado geometricamente com a universalização da internet. Levantamento realizado por especialistas em Direito da internet mostra que atualmente existem mais de 17 mil decisões judiciais envolvendo problemas virtuais; em 2002 eram apenas 400.

A internet ainda é tida por muitos como um território livre, sem lei e sem punição. Mas a realidade não é bem assim: diariamente, o Judiciário vem coibindo a sensação de impunidade que reina no ambiente virtual e combatendo a criminalidade cibernética com a aplicação do Código Penal, do Código Civil e de legislações específicas como a Lei n. 9.296 – que trata das interceptações de comunicação em sistemas de telefonia, informática e telemática – e a Lei n. 9.609 – que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programas de computador.

Na ausência de uma legislação específica para crimes eletrônicos, os tribunais brasileiros estão enfrentando e punindo internautas, crakers e hackers que utilizam a rede mundial de computadores como instrumento para a prática de crimes. Grande parte dos magistrados, advogados e consultores jurídicos considera que cerca de 95% dos delitos cometidos eletronicamente já estão tipificados no Código Penal brasileiro por caracterizar crimes comuns praticados por meio da internet. Os outros 5% para os quais faltaria enquadramento jurídico abrangem transgressões que só existem no mundo virtual, como a distribuição de vírus eletrônico, cavalos-de-tróia e worm (verme, em português).


Para essa maioria, a internet não é um campo novo de atuação, mas apenas um novo caminho para a realização de delitos já praticados no mundo real, bastando apenas que as leis sejam adaptadas para os crimes eletrônicos. E é isso que a Justiça vem fazendo. Adaptando e empregando vários dispositivos do Código Penal no combate ao crime digital.

E a lista também é extensa: insultar a honra de alguém (calúnia – artigo138), espalhar boatos eletrônicos sobre pessoas (difamação – artigo 139), insultar pessoas considerando suas características ou utilizar apelidos grosseiros (injúria – artigo 140), ameaçar alguém (ameaça – artigo 147), utilizar dados da conta bancária de outrem para desvio ou saque de dinheiro (furto – artigo 155), comentar, em chats, e-mails e outros, de forma negativa, sobre raças, religiões e etnias (preconceito ou discriminação – artigo 20 da Lei n. 7.716/89), enviar, trocar fotos de crianças nuas (pedofilia – artigo 247 da Lei n. 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA).


No caso das legislações específicas, as mais aplicadas são as seguintes: usar logomarca de empresa sem autorização do titular, no todo ou em parte, ou imitá-la de modo que possa induzir à confusão (crime contra a propriedade industrial – artigo 195 da Lei n. 9.279/96), monitoramento não avisado previamente (interceptação de comunicações de informática – artigo 10 da Lei n. 9.296/96) e usar cópia de software sem licença (crimes contra software "Pirataria" – artigo 12 da Lei n. 9.609/98).

Consolidando dispositivos

O STJ, como guardião e uniformizador da legislação infraconstitucional, vem consolidando a aplicação desses dispositivos em diversos julgados. Nos casos de pedofilia, por exemplo, o STJ já firmou o entendimento de que os crimes de pedofilia e divulgação de pornografia infantil por meios eletrônicos estão descritos no artigo 241 da Lei n. 8.069/90 (apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive pela rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente), e previstos em convenção internacional da qual o Brasil é signatário.

Mais do que isso: a Corte concluiu que, por si só, o envio de fotos pornográficas pela internet (e-mail) já constitui crime. Com base no artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os ministros da Quinta Turma do STJ cassaram um habeas-corpus concedido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que determinava o trancamento de uma ação penal sob o argumento de que o ECA definiria como crime apenas a "publicação" – e não a mera "divulgação" – de imagens de sexo explícito ou pornográficas de crianças ou adolescentes.
Em outro caso julgado, a Turma manteve a condenação de um publicitário que participou e filmou cenas eróticas envolvendo crianças e adolescentes. Ele foi denunciado pelo Ministério Público de Rondônia com base no artigo 241 do ECA, nos artigos 71 e 29 do Código Penal (crime continuado e em concurso de agentes) e por corrupção de menores (Lei n. 2.252/54: constitui crime, punido com a pena de reclusão de um a quatro anos e multa, corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 anos, com ela praticando, infração penal ou induzindo-a a praticá-la).


Os casos de furto e estelionato virtual também já foram devidamente enquadrados pela Corte. A Terceira Seção do STJ consolidou o entendimento de que a apropriação de valores de conta-corrente mediante transferência bancária fraudulenta via internet sem o consentimento do correntista configura furto qualificado por fraude, pois, nesse caso, a fraude é utilizada para burlar o sistema de proteção e vigilância do banco sobre os valores mantidos sob sua guarda. Também decidiu que a competência para julgar esse tipo de crime é do juízo do local da consumação do delito de furto, que se dá no local onde o bem é subtraído da vítima.

Em outra decisão, relatada pelo ministro Felix Fischer, a Quinta Turma do STJ definiu claramente que, mesmo no ambiente virtual, o furto – "subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel" (artigo 155 do Código Penal) – mediante fraude não se confunde com o estelionato – "obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento" (artigo 171 do Código Penal) – já que no furto a fraude é utilizada para burlar a vigilância da vítima e, no estelionato, o objetivo é obter consentimento da vítima e iludi-la para que entregue voluntariamente o bem.

Crimes contra a honra

Em uma ação envolvendo os chamados crimes contra a honra praticados pela internet, o desembargador convocado Carlos Fernando Mathias de Souza manteve a decisão da Justiça gaúcha que condenou um homem a pagar à ex-namorada indenização por danos morais no valor de R$ 30 mil por ter divulgado, pela internet, mensagens chamando-a de garota de programa. No recurso julgado, a ex-namorada alegou que, após a falsa publicação de e-mails com seus dados pessoais junto com uma fotografia de mulher em posições eróticas, ela passou pelo constrangimento de receber convites por telefone para fazer programas sexuais.

Em outro julgado, a Quarta Turma do STJ determinou que o site Yahoo! Brasil retirasse do ar página com conteúdo inverídico sobre uma mulher que ofereceria programas sexuais. A empresa alegou que o site citado foi criado por um usuário com a utilização de um serviço oferecido pela controladora americana Yahoo! Inc., portanto caberia a essa empresa o cumprimento da determinação judicial.

Em seu voto, o relator do processo, ministro Fernando Gonçalves, sustentou que a Yahoo! Brasil pertence ao mesmo grupo econômico e apresenta-se aos consumidores utilizando a mesma logomarca da empresa americana e, ao acessar o endereço trazido nas razões do recurso como sendo da Yahoo! Inc. – www.yahoo.com –, abre-se, na realidade, a página da Yahoo! Brasil. Diante desses fatos, o ministro conclui que o consumidor não distingue com clareza as divisas entre a empresa americana e sua correspondente nacional.

A Terceira Turma decidiu que ação de indenização por danos morais pode ser ajuizada em nome do proprietário de empresa vítima de mensagens difamatórias em comunidades do site de relacionamentos Orkut. O tribunal considerou legítima a ação proposta por um empresário de Minas Gerais contra duas pessoas que teriam difamado o seu negócio de criação de avestruzes, causando-lhe sérios prejuízos. Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, as mensagens divulgadas na internet não foram ofensivas somente ao empresário e a seu filho, mas também ao seu comércio de aves.

Atrás das grades

Aplicando os dispositivos do Código Penal, o STJ vem negando habeas-corpus a acusados e condenados por diversas modalidades de crimes eletrônicos. Entre vários casos julgados, a Corte manteve a prisão do hacker Otávio Oliveira Bandetini, condenado a 10 anos e 11 meses de reclusão por retirar irregularmente cerca de R$ 2 milhões de contas bancárias de terceiros via internet; negou o relaxamento da prisão preventiva de um tatuador denunciado por divulgar fotos pornográficas de crianças e adolescentes na internet; de um acusado preso em operação da Polícia Federal por participar de um esquema de furto de contas bancárias; de um hacker preso pelos crimes de furto mediante fraude, formação de quadrilha, violação de sigilo bancário e interceptação telemática ilegal; e de um técnico em informática de Santa Catarina acusado de manipular e-mails para incriminar colegas de trabalho.

O Tribunal também enfrentou a questão da ausência de fronteira física no chamado ciberespaço ao entender que, se o crime tem efeitos em território nacional, deve-se aplicar a lei brasileira. No caso julgado, um acusado de pedofilia alegou que as fotos pornográficas envolvendo crianças e adolescentes foram obtidas no sítio da internet do Kazaa, um programa internacional de armazenamento e compartilhamento de arquivos eletrônicos sediado fora do Brasil. A Corte entendeu que, como o resultado e a execução ocorreram em território nacional, o fato de os arquivos terem sido obtidos no Kazaa, com sede no estrangeiro, seria irrelevante para a ação.

O Poder Legislativo ainda não concluiu a votação do projeto de lei que visa adequar a legislação brasileira aos crimes cometidos na internet e punir de forma mais rígida essas irregularidades. O projeto, que já foi aprovado pelo Senado, define os crimes na internet, amplia as penas para os infratores e determina que os provedores armazenem os dados de conexão de seus usuários por até três anos, entre outros pontos.

Enquanto a lei que vai tipificar a prática de crimes como phishing (roubo de senhas), pornografia infantil, calúnia e difamação via web, clonagem de cartões de banco e celulares, difusão de vírus e invasão de sites não é aprovada no Congresso Nacional, o Poder Judiciário continuará enquadrando os criminosos virtuais nas leis vigentes no mundo real, adaptando-as à realidade dos crimes cometidos na internet.

domingo, 23 de novembro de 2008

O mandado de segurança na Justiça do Trabalho (aspectos relevantes)

1. A lei e a Constituição
O mandado de segurança tem previsão na Lei n.º 1.533/51 e no art. 5º, LXIX, da CF.

2. As Súmulas do C. TST
Tratam do assunto as Súmulas 33 (no sentido de não caber mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado) e 201 (dispondo que da decisão do Tribunal Regional do Trabalho em mandado de segurança cabe recurso ordinário, no prazo de oito (8) dias para o Tribunal Superior do Trabalho, correspondendo igual dilação para o recorrido e interessados apresentarem razões de contrariedade) do C. TST.

3. As Orientações Jurisprudenciais da SDI I do C. TST
As orientações firmadas sobre o tema pela Subseção de Dissídio Individuais I, do C. TST são as seguintes: OJ n.º 10, explicitando que não se aplica a alçada em mandado de segurança; OJ n.º 29, que exige o pagamento das custas para o conhecimento de recurso ordinário em mandado de segurança; e, quanto à remessa ex officio, as OJ n.º 72 e 73, que tratam do incabimento de mandado de segurança por pessoas de direito privado, ressalvadas as hipóteses de matéria administrativa, de competência do Órgão Especial, e da inaplicabilidade do art. 12 da Lei nº 1.533/51, no que se refere às decisões proferidas pelo TRT e favoráveis ao impetrante ente público.

4. As Orientações Jurisprudenciais do SDI II do C. TST
A Subseção de Dissídios Individuais da SDI II do C. TST tem diversas Orientações Jurisprudenciais sobre mandado de segurança, destacando-se as que tratam de: antecipação de tutela (50, 51, 86), penhora (59, 60, 61, 62, 93), reintegração (63, 87, 64, 65) e homologação de acordo (120).
A SDI II ainda considera não caber o mandado de segurança nas seguintes hipóteses: a) quando já ajuizados embargos de terceiro (OJ n.º 54); b) contra sentença homologatória de adjudicação (OJ n.º 66); c) contra ato judicial que, de ofício, arbitra novo valor à causa, acarretando a majoração das custas processuais (OJ n.º 88); d) contra decisão judicial passível de reforma mediante recurso próprio, ainda que com efeito diferido (OJ n.º 92); e) quando esgotadas as vias recursais existentes (OJ n.º 99).
Definiu, também, pelo cabimento do mandado de segurança nas seguintes situações: a) para extinguir a execução fundada em sentença proferida em ação de cumprimento, quando excluída da sentença normativa a cláusula que lhe serviu de sustentáculo (OJ n.º 49); b) visando cassar liminar concedida em ação civil pública (OJ n.º 58); c) contra a exigência de depósito prévio para custeio dos honorários periciais, dada a incompatibilidade com o processo do trabalho e com a Súmula n.º 236 do C. TST, objetivando a realização da perícia independentemente do depósito (OJ n.º 98).
A existência de direito líquido e certo foi reconhecida na OJ n.º 57: "Conceder-se-á mandado de segurança para impugnar ato que determina ao INSS o reconhecimento e/ou averbação de tempo de serviço".
A não-ocorrência de direito líquido e certo foi capitulada em outras situações: a) A liquidação extrajudicial de sociedade cooperativa não suspende a execução dos créditos trabalhistas existentes contra ela (OJ n.º 53); b) devendo o agravo de petição delimitar justificadamente a matéria e os valores-objeto de discordância, não fere direito líquido e certo o prosseguimento da execução quanto aos tópicos e valores não especificados no agravo (OJ nº 55); c) não há direito líquido e certo à execução definitiva na pendência de recurso extraordinário, ou de agravo de instrumento visando a destrancá-lo (OJ n.º 56); d) não fere direito líquido e certo a concessão de liminar obstativa de transferência de empregado, em face da previsão do inciso IX do art. 659 da CLT (OJ n.º 67); e) não sendo a parte beneficiária da assistência judiciária gratuita, inexiste direito líquido e certo à autenticação, pelas Secretarias dos Tribunais, de peças extraídas do processo principal, para formação do agravo de instrumento (OJ n.º 91).
Quanto ao requisito da prova documental pré-constituída, considera a SDI II inaplicável o art. 284 do CPC quando verificada na petição inicial do mandamus a ausência de documento indispensável ou sua autenticação (OJ n.º 52).
No que diz respeito ao recurso ordinário, duas Orientações Jurisprudenciais se destacam: as OJ n.º 90 e 100.

5. A competência do TRT da 9.ª Região
Processa-se o mandado de segurança perante o Órgão Especial ou a Seção Especializada, conforme o caso, devendo a petição inicial, apresentada em duplicata, preencher os requisitos legais, inclusive quanto à indicação precisa da autoridade a quem é atribuído o ato impugnado (art. 142, caput). Os requisitos legais são aqueles estabelecidos nos arts. 282 e 283 do CPC. Do despacho que indefere a petição inicial do mandado de segurança cabe agravo regimental (ao OE ou à SE, conforme o caso), estando assegurado o direito de sustentação oral (parágrafo único do art. 143 e parte final do § 4.º do art. 76).

6. Natureza jurídica das informações da autoridade apontada como coatora
As razões informativas têm natureza de prova. Não havendo plena convicção no momento da análise liminar, o relator pode, antes, solicitar as informações.

7. Necessidade de chamamento do litisconsorte
Se o mandado de segurança versa sobre relação litigiosa trabalhista, deverá ser processado com ciência dos litisconsortes (art. 19 da Lei n.º 1.533/51).

8. Os casos mais freqüentes perante o TRT do Paraná
Perante o Órgão Especial não são comuns, mas se verificam, geralmente, em casos de: a) precatório, só excepcionalmente; e b) contra ato administrativo. Já perante a Seção Especializada o número de casos é bem maior. Geralmente versando sobre: a) concessão de antecipação de tutela; b) liberação de quantias incontroversas; c) penhora on line; e d) penhora sobre crédito futuro.

9. Situação especial: a litigância de má-fé
As regras dos artigos 17 e 18 do CPC aplicam-se subsidiariamente no âmbito do mandado de segurança, de modo a atrair a multa por litigância de má-fé em caso de sua utilização com o intuito de resistência injustificada a andamento de processo executivo.

10. Situação especial: o Mandado de Segurança perante as Varas do Trabalho
Decorrendo o litígio de relação trabalhista, a competência para resolver a controvérsia é da Justiça do Trabalho, não mais prevalecendo a antiga distinção entre atos de império e de gestão (caput do art. 114 c/c 102 e 109 da Carta Política; artigos 678, alínea "b", inciso I, item 3, e 652, alínea "a", inciso IV, da CLT; e art. 3.º, inciso I, letra "b", da Lei n. 7.701/88).

11. Situação especial: atos e decisões do Presidente do TRT (em precatórios, por exemplo) cabível MS ou ARL?
No julgamento do MS 28/03 o Órgão Especial do E. TRT da 9.ª Região pacificou a matéria, dispondo, como regra que, não se tratando de situação excepcional, não cabe mandado de segurança contra ato do Presidente do Tribunal em precatório, mas agravo regimental.

12. Legitimidade do Ministério Público para recorrer das decisões proferidas em mandado de segurança
Considerado o caráter geral da Orientação n.º 237 da SDI I do C. TST, o Ministério Público do Trabalho não teria legitimidade para recorrer em sede de mandado de segurança, mesmo sendo parte pessoa jurídica de direito público.

13. A questão da mundaça do nome da autoridade coatora. O juiz tem a possibilidade da correção de ofício da indicação errônea da autoridade coatora, pois se trata de legitimidade das partes e, por conseguinte, de condição da ação (matéria de ordem pública).

14. O valor da causa em mandado de segurança. Não se vincula ao quanto devido na reclamatória originária, surgindo interesse em sua impugnação apenas quando o valor altera a competência, a espécie de procedimento legal ou a modalidade do recurso.

15. O mandado de segurança e a defesa do bem de família. Considerando que, a qualquer tempo, por simples petição, o executado pode buscar a declaração de impenhorabilidade, não cabe mandado de segurança para a defesa de bem de família, nos termos do art. 267, IV, do CPC.

O LATIM JURÍDICO

Em uma pesquisa que fiz sobre um brocardo Latim, encontrei esse sitio abaixo com ótimas referências sobre alguns dos termos mais usados no mundo jurídico. Vale a leitura!

Fonte: http://www.geocities.com/athens/agora/1417/latimjur.htm

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O latim tem sido sempre muito prestigiado pelos juristas. Advogados, Procuradores, Juízes costumam inserir, em seus escritos, expressões latinas com diversos objetivos. Pode ser para mostrar erudição, para impressionar o leitor, para conferir um certo charme ao documento, para demonstrar apego à tradição, o motivo não importa realmente. O que muitas vezes sucede é que, por desconhecimento gramatical do idioma latino, incorrem em erros de grafia e de concordância.
ORIGEM DOS BROCARDOS JURÍDICOS
De acordo com o Dicionário Jurídico Brasileiro, compilado por Marcos Cláudio Acquaviva, a palavra 'brocardo', curiosamente, nao tem origem latina. É o resultado da latinização do nome de Burckard, um jurista que era bispo da cidade inglesa de Worms no século XI, e que foi o compilador de vinte volumes de regras de direito eclesiástico, tornando-se assim um padrão de formulação jurídica também no direito não eclesiástico.
Os brocardos resumem uma secular experiência jurídica, semelhante aos provérbios e ditados populares, que encerram a sabedoria de uma comunidade. Embora nao tenham força de lei, no entanto a sua credibilidade serve de orientação para o intérprete e o estudante, no momento de compreender e aplicar a norma. O fato de serem escritos, originariamente, em latim se deve a esta tradição do direito ser escrito nesta língua desde os romanos, passando pelo direito eclesiástico.
Os brocardos acumulam também indiscutível conteúdo didático, ao sintetizarem em poucas palavras um conceito universalmente aceito. Como toda definição, eles não podem ser entendidos estritamente, mas precisam sempre ser ajustados às situações concretas, sobretudo tendo-se em conta o grande dinamismo das relações sociais, que fundamentam as relações jurídicas. Sobre estes, assim como sobre as normas positivadas, deve sempre prevalecer o senso da justiça, sem o qual todo direito fica esvasiado.
Provavelmente, a sua melhor aplicação ocorra quando existem as lacunas legais, porque nenhum juiz poderá deixar de decidir à falta de uma norma escrita, recorrendo nestes casos à analogia, aos costumes, aos princípios gerais do Direito, ou seja, no meio de tudo isso estão subentendidos os brocardos jurídicos.
EXPRESSÕES JURÍDICAS LATINAS
Apresentaremos alguns exemplos comentados, esperando com isto esclarecer ou instruir aqueles que me honram com sua leitura.
1. PROCURAÇÃO "AD JUDICIA" e "AD NEGOTIA"
A expressão "ad judicia" tem a letra "c" antes do "ia", enquanto a expressão "ad negotia" tem a letra "t" antes do ia. Na pronúncia, não se distinguem, porque a letra "t" antes da vogal "i" tem som de "s". Pronunciam-se "ad judíssia" e "ad negóssia". De onde vem a diferença na grafia?
"Judicia" vem de "judicium" (= juízo), que vem de "judicare" (= julgar). Conforme se pode observar, nas palavras originárias, há sempre a letra "c" como parte do radical da palavra (judic), portanto, "judicia" mantém a letra "c" na sílaba final. Um documento "ad judicia" significa que se destina ao uso no âmbito forense.
"Negotia" vem de "negotium" (= profissão, ocupação), que vem de "negotiari" (= negociar, comerciar), conservando sempre a letra "t" no seu radical. Um documento "ad negotia" significa que se destina ao uso comercial, em geral, nas instituições financeiras.
Constitui erro, portanto, grafar "ad juditia", como algumas vezes se observa em documentos jurídicos.
2. "INAUDITA ALTERA PARTE"
Esta é uma expressão frequentemente utilizada nas medidas liminares, quando o requerente pede a proteção jurisdicional sem a ouvida da parte contrária. Algumas vezes se vê a expressão "inaudita altera pars" empregada no lugar da epigrafada, o que pode também ser correto, mas as duas expressões não se equivalem.
Preliminarmente, observe-se que a primeira palavra se escreve "inaudita", com a letra "u" antes do "d", porque é palavra derivada do verbo "audire" (= ouvir). No caso, "inaudire" seria "não ouvir" e "inaudita" seria "não ouvida", sempre com "u". Há pessoas que escrevem "inaldita", que é uma grafia errada, pelos motivos apontados.
A palavra "altera" significa literalmente "outra", não necessita de maiores comentários. Pronuncia-se "áltera", proparoxítona.
"Pars" e "parte" são, na verdade, a mesma palavra, apenas em "casos" gramaticais diferentes, ou seja, "pars" está no caso nominativo (sujeito), enquanto "parte" está no caso ablativo (complemento verbal). Vejamos em que situações se usam uma ou outra.
Observe o seguinte exemplo: "A outra parte não ouvida será interrogada na próxima semana." A expressão "a outra parte" funciona como sujeito da oração. Neste caso, o correto é escrever assim: "Altera inaudita pars" será interrogada na próxima semana. Considere ainda esta outra expressão: "Audiatur et altera pars" (=ouça-se também a outra parte), onde 'altera pars' funciona como agente da passiva, que equivale à função de sujeito. Nestes dois casos, o correto é escrever "altera pars".
Agora observe este outro exemplo: "O autor requer que, sem ouvir a outra parte, seja-lhe concedida a medida liminar pleiteada." A expressão "a outra parte" neste caso não é sujeito da oração principal, mas está inserida numa oração reduzida subordinada à primeira, que corresponde em latim a um ablativo absoluto. Neste caso, a grafia correta será: "O autor requer que, inaudita altera parte, seja-lhe concedida a medida liminar pleiteada".
Conforme se observa, na grande maioria das vezes em que esta expressão aparece nos textos jurídicos será condizente com a segunda hipótese, sendo bastante raro o primeiro caso. Portanto, ao inserir esta expressão latina no texto, o leitor deve estar bem ciente da função sintática da locução "a outra parte", a fim de utilizar a grafia correta. Ambas as formas são corretas gramaticalmente, mas precisam ser utilizadas no contexto apropriado. Trocar uma pela outra constitui erro imperdoável.
3. "AD ARGUMENTANDUM TANTUM"
Significa "apenas para argumentar". O latim guarda certa semelhança com a língua inglesa, diferentemente do português, quando o verbo vem regido de preposições. No inglês, a expressão "para estudar" se diz "for studying", colocando o verbo no gerúndio; em latim, a expressão "para argumentar" se diz "ad argumentandum", colocando o verbo no gerundivo.
Já a palavra "tantum" é um advérbio (=apenas), sendo portanto invariável. O fato de terminar em "um", assim como "argumentandum" é mera coincidência.
4. "AD REFERENDUM"
É uma expressão muito usada em atos de autoridades públicas, quando tomam decisões que precisam ser levadas ao conhecimento de algum órgão colegiado. Significa "para apreciação" ou ainda "para submeter à deliberação de". Igualmente ao comentário anterior, o verbo vem na forma do gerundivo ("referendum"), que é o mesmo "referre" na forma infinitiva. "Referre" significa "trazer de volta, restituir", ou seja, a decisão tomada "ad referendum" precisa ser levada de volta, restituída a algum órgão para ser tornada definitiva.
Mais uma curiosidade, o particípio passado de "referre" é "relatum", de onde vem a palavra "relato" e também "relatório", significando também algo que é trazido para a consideração de alguém.
5. "BIS IN IDEM"
Literalmente, significia "duas vezes no mesmo", ou seja, uma repetição sobre a mesma coisa. "Bis" é um numeral e significa textualmente "duas vezes".
6. "EXTRA PETITA", "ULTRA PETITA" e "CITRA PETITUM"
Por que às vezes a palavra é "petita" e outras vezes é "petitum"? As duas são a mesma palavra, sendo "petitum" a forma singular (=pedido) e "petita" a forma plural (=pedidos). "Extra petita" seria um julgamento fora dos pedidos; "ultra petita" seria mais do que os pedidos; "citra petitum" seria aquém do pedido.
Seria correto também "extra petitum" e "citra petita"? Gramaticalmente, ambas estão corretas. A aplicação vai depender do contexto. Se o pedido é um só, então usa-se a forma singular, tanto faz ser "extra petitum", "ultra petitum" ou "citra petitum"; se são vários os pedidos, então usa-se a forma plural: "extra petita", "ultra petita" ou "citra petita". A não observância deste fato poderá gerar erro gramatical.
7. "DATA VENIA", "CONCESSA VENIA"
São também expressões muito usadas. A palavra "venia" significa "permissão", "licença", sendo um substantivo, portanto. As palavras "data" e "concessa" são formas verbais, sendo "data" originada do verbo "dare" (= dar) e "concessa" oriunda do verbo "concedere" (=conceder). Literalmente, a tradução poderia ser "sendo dada permissão" ou "sendo concedida permissão" para dizer ou fazer algo.
Conforme se pode deduzir, estas palavras não admitem variação de grafia quando se quer fazer realce. Por exemplo, se se quer pedir muita permissão, se se quer enfatizar o pedido, deve-se utilizar "data maxima venia" ou "concessa maxima venia", jamais "datissima venia", que é um erro gramatical e serve apenas para demonstrar falta de conhecimento da gramática latina.
8. "QUORUM"
É uma expressão usada por todos quando se quer referir um número mínimo de participantes para validade de decisões tomadas num grupo. Todas as reuniões, assembléias, sessões têm um "quorum" mínimo estabelecido em regulamento.
Literalmente, "quorum" significa "dos quais", sendo originado da palavra "qui", que significa "quem" ou "qual". De onde vem este significado de número mínimo? Vergílio, um antigo poeta latino, no livro 'Eneida', conta a história de Enéias e um grupo de bravos guerreiros que partiram para a batalha, "dos quais" apenas alguns bravos heróis conseguiram retornar para testemunhar a dureza dos combates. A locução "dos quais" (=quorum) passou a ser aplicada a todo grupo que se reúne com um número mínimo de "heróis" necessários para o funcionamento da entidade que compõem.
9. "EX NUNC" e "EX TUNC"
São todas palavras invariáveis, sendo "ex" uma preposição e "nunc" (=agora) e "tunc" (então) advérbios de tempo. A preposição "ex" não tem uma correspondente própria em português, assemelhando-se à preposição "from" da língua inglesa. Traduz-se por "a partir de", por se referirem ambas a circunstâncias temporais. "Ex nunc" significa "a partir de agora" e "ex tunc" significa "a partir de então".
Exemplificando: uma decisão com efeitos "ex nunc" é aplicada a partir de agora, ou seja, a partir da data em que a própria decisão foi tomada. Uma decisão com efeitos "ex tunc" significa que se aplica a partir da origem dos fatos a ela relacionados, ainda que a decisão seja tomada muito tempo depois.
Para efeitos de memorização, observe-se que "ex tunc" se assemelha mais com "então" pela presença da letra "t" em ambas. Já a expressão "ex nunc" pode ser associada a uma semelhança com o oposto da palavra "nunc" (=agora), que seria a palavra portuguesa 'nunca'. Desta forma, "nunc" em latim significa o oposto do sentido de 'nunca' em português.
10. "AGENDA"
É uma palavra de uso mais que corriqueiro, sendo até concebida como um objeto material, isto é, um pequeno caderno onde se fazem anotações de compromissos. Gramaticalmente, é o gerundivo do verbo "agere" (=fazer, agir, realizar), significando numa paráfrase "coisas que devem ser feitas" ou "ações que se devem realizar". Por metonímia, se adota a expressão referente às "ações" que devem ser efetivadas com o objeto onde estas referências são anotadas. O singular de "agenda" é "agendum", significando literalmente "aquilo que deve ser feito", quando se refere a uma só ação. Usa-se, em geral, na forma plural (="agenda") porque comumente se trata de diversas ações e não apenas uma só.
Por associação a este conceito, convém lembrar aqui outra palavra latina muito utilizada não apenas no campo jurídico, mas em qualquer atividade que envolve um grupo. Trata-se da palavra "ata", por exemplo, fazer a "ata da reunião", "ata da assembléia". "Ata" vem do mesmo verbo "agere" acima citado, que no seu particípio passado se diz "actum" (plural = "acta"), ou seja, aquilo que foi feito, que foi realizado. Ata (=acta) é o plural de ato (=actum), valendo para estas palavras o mesmo que se disse acima sobre "agenda" e "agendum".
Em resumo, "agenda" e "acta" são formas verbais do mesmo verbo "agere", sendo que "agenda" se refere ao futuro (coisas que devem ser realizadas), enquanto "acta" se refere ao passado (coisas que foram realizadas). A palavra "agenda" nao sofreu alteração na passagem para o português; já a palavra "acta" perdeu o "c", passando a ser escrita apenas "ata".
11. JURIS TANTUM / JURIS ET DE JURE
Literalmente, esta expressão significa 'apenas de direito'. "Tantum" significa 'apenas', 'somente', 'simplesmente'. Esta expressão aparece geralmente associada à palavra 'presunção', assim 'presunção juris tantum'. Refere-se a uma situação hipotética, algo que deve ser, mas ainda não foi confrontado ou comprovado por fatos concretos, encontrando-se ainda no estágio puramente conceitual.
A expressão 'juris et de jure' indica algo que já não é mais uma presunção, uma hipótese, mas foi constatado materialmente e tornou-se um fato concreto. Literalmente significa 'de direito e por direito', quer dizer, tanto no aspecto formal quanto no aspecto material. Trata-se, portanto, de uma situação fática 'juris et de jure', isto é, o 'dever-ser' da hipótese jurídica se materializou num caso concreto.
12. DE CUJUS
Esta expressão é usada comumente como sinônimo de 'pessoa falecida', numa figura eufemística substitutiva de 'defunto' ou 'morto'. Estas duas palavras foram, na verdade, retiradas de uma expressão mais longa, que é: "De cujus successione agitur" e significa 'de cuja sucessão se trata'. Situa-se, portanto, no contexto do direito sucessório, do caso daquela pessoa falecida, que deixou bens materiais, e cuja sucessão (direito de herança) é regulada pelas normas jurídicas.
Como todas as palavras de língua estrangeira lançadas no contexto do vernáculo, esta expressão deve vir sempre realçada seja por tipo em negrito, em itálico ou destacada por aspas.
13. ET CETERA
A palavra 'ceterus' significa 'restante', 'tudo o mais'. É um adjetivo da segunda declinação, variando para 'cetera' no feminino e 'ceterum' no neutro. Na expressão 'et cetera', a palavra 'cetera' está na forma neutra plural de 'ceterum' (veja a Tabela das Declinações). Usa-se geralmente na sua forma abreviada, já consagrada na língua portuguesa: etc.
14. EX POSITIS
Em primeiro lugar, atentemos para a pronúncia desta expressão, que tem acento na sílaba 'po'. Se fosse acentuada, ficaria 'ex pósitis', mas esta grafia não é correta, porque a língua latina não comporta acentuação.
Literalmente, significa 'a partir do exposto', pois a preposição 'ex' tem sempre alusão à origem de algo. Diz a religião que Deus fez o mundo 'ex nihilo', ou seja, a partir do nada. No caso em apreço, 'ex positis' é uma locução conclusiva, usada após uma série de análises e argumentações. Em latim, a preposição 'ex' rege ablativo, ou seja, exige que a palavra a ela associada esteja no caso ablativo.
'Positis' é no caso ablativo plural de 'positum', que é o particípio passado do verbo 'ponere' (=por). Assim como em português, em latim também é um verbo irregular na sua conjugação, figurando como 'pono' (=eu ponho) no presente, 'posui' (=eu pus) no pretérito e 'positum' (=posto) no particípio passado.
15. DORMIENTIBUS NON SUCCURRIT JUS
Esta expressão retrata bem a estrutura frase em latim, que não segue uma ordem direta, assim como costumamos escrever em português. As palavras são identificadas nas suas funções sintáticas pela forma como estão declinadas.
Temos, desta forma, 'jus' no caso nominativo, portanto, deve ser o sujeito da frase; temos ainda 'dormientibus' no caso dativo, portanto, deve ser um objeto indireto. Escrevendo na ordem direta, a frase ficaria assim: "Jus non succurrit dormientibus".'Succurrit' é terceira pessoa do singular do verbo 'succurrere' (=correr em socorro, socorrer); 'dormientibus' é ablativo plural de 'dormiens', particípio presente do verbo 'dormire' (=dormir). 'Dormiens' seria 'o dorminte', aquele que dorme, segue a terceira declinação.
"O Direito não socorre aos que dormem" é uma alusão ao tempo e um alerta ao profissional que deve estar sempre vigilante quanto ao cumprimento dos prazos jurídicos que são, quase sempre, irrenováveis.
16. TEMPUS REGIT ACTUM
Esta expressão verbaliza o ditame de que as coisas jurídicas se regem pela lei da época em que ocorreram. Literalmente, 'o tempo rege o ato', encontrando-se a palavra 'tempus' no nominativo singular (o plural de 'tempus' será 'tempora'), 'regit' é a terceira pessoa do indicativo singular do verbo 'regere' (=reger) e 'actum' é a forma acusativa de 'actus', particípio passado do verbo 'agere' já comentado acima (veja n. 10).
17. REBUS SIC STANTIBUS
Esta é uma cláusula usada em contratos, para significar a permanência do atual estado das coisas. Trata-se de outra expressão no ablativo absoluto, que em português corresponde a uma oração reduzida. Do ponto de vista gramatical, guarda semelhança com a expressão 'inaudita altera parte', comentada acima, que é também um ablativo absoluto.
'Rebus' é o ablativo plural de 'res' (=coisa); 'stantibus' é ablativo plural de 'stans', que é particípio presente do verbo 'stare' (=ficar, permanecer), declinado segundo o modelo da terceira declinação; 'sic' é advérbio de modo (=assim, assim como). A sua tradução literal ('as coisas assim ficantes') não seria aceita na língua portuguesa, daí porque em geral não se traduz. O seu significado corresponde a 'enquanto as coisas permanecerem como estão', 'se as coisas permanecerem assim' ou ainda 'ficando tudo como está'.
18. SUB JUDICE
Esta expressão é uma simplificação da seguinte frase: "Adhuc sub judice lis est." Analisamos cada palavra: adhuc = adv. 'ainda', 'até agora'; sub = preposição 'sob', 'debaixo de', rege sempre ablativo; judice = ablat. sing. de 'judex, judicis' (=juiz); lis - nom. sing. 'lis, litis' (=lide, litígio). Agora, se colocarmos na ordem direta que se usa comumente em português, teremos: Lis est adhuc sub judice. Tradução: A lide ainda está sob [apreciação do] juiz.
19. PRO RATA
Esta expressão completa é: "Pro rata parte", usada geralmente na forma simplificada 'pro rata'. Analisando as palavras, temos: pro - preposição que pode assumir diversos significados. Os mais comuns são 'diante de', 'a favor de', 'em lugar de' ou ainda 'conforme', 'em proporção de'; rege sempre ablativo, ou seja, a palavra seguinte será colocada no caso ablativo. rata - ablat. part. passado do verbo 'reor' = contar, calcular; no caso, seria 'contada', 'calculada'; parte [obs: pronuncia-se o 'e' final, embora a vobal tônica seja 'a'] - ablat. de 'pars, partis' da 3a. dec. (=parte). Na ordem direta que se usa em português, será: 'pro parte rata', ou seja, em proporção da parte contada ou calculada.

domingo, 2 de novembro de 2008

Controvérsias da Videoconferência no Processo Penal

Fomos surpreendidos uma vez mais, pelo STF, acerca do assunto “Videoconferência no Processo Penal”. Tento entender, de todas as formas juridicamente imagináveis, os motivos que levam à Suprema Côrte a desvirtuar e desmerecer, sobremaneira, a utilização de uma ferramenta da qual apenas vantagens se destacam quando do seu uso. E principalmente, desconsiderar a evolução tecnológica evidente em nosso habitual.

Imagino, que nossos Exmos. Ministros precisem aprofundar-se com mais empenho no que venha a ser, efetivamente a videoconferência. Em poucas palavras e sem muito adentrar na questão para que não fique demasiado técnico, sinto-me na obrigação de explanar sobre o assunto com a nobre intenção de tentar elucidar o que realmente vem a ser tal tecnologia. Para muitos, não passa de uma forma de diversão e entretenimento, que vários de nós utilizamos quando queremos, por exemplo, em viagens ou mesmo em nossos trabalhos, ver nossos filhos e parentes distantes. Nesses casos, utilizamos equipamentos amadores e acesso à Internet. Porém, a videoconferência, da forma como é intentada pelo Judiciário do Estado de São Paulo, é muito mais do que isso. É profissional e cercado de normas de Direito desde a sua implantação até a sua efetiva utilização.

Pois bem, videoconferência é a forma em que duas ou mais pessoas se comunicam, à distância. Em conseqüência, deixa de existir a necessidade de deslocamento físico de ambas as partes, podendo essas mesmas pessoas encontrar-se em qualquer lugar do planeta, desde que devidamente conectadas. As comunicações acontecem em tempo real, onde há interação instantânea das partes participantes. Utiliza-se ainda o termo “virtual”, que é muito bem definido pelo dicionário Houaiss como “que constitui uma simulação de algo criado por meios eletrônicos”. Essa simulação de proximidade é exatamente o rompimento da barreira da distância proporcionado pelo meio eletrônico.

No caso do Judiciário de São Paulo, faz-se as audiências de forma profissional, ou seja, com a utilização de equipamentos e softwares dedicados exclusivamente à essa função, garantindo assim a segurança do feito, e transparência de todos os atos. Há locais preparados, dentro dos presídios, para tais oitivas, e as garantias constitucionais e processuais penais são consideradas e respeitadas. E há, principalmente, inegável economia de tempo e pecúnia.

Um outro ponto que merece reflexão, é ainda quanto à lei 11.819/05 de São Paulo, que autoriza o interrogatório de réus por videoconferência. Na verdade o que suscita o SFT é que tal diploma estadual fere a Lei Maior, em seu Art. 22, I, que versa:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

Há, nesse sentido, um posicionamento já convencionado entre a doutrina e vários magistrados, inclusive dentro da própria Turma julgadora do HC 90900 que ensejou essa decisão. A exemplo disso, a relatora Ministra Ellen Gracie foi favorável à realização da videoconferência, e assevera: “O tema envolve procedimento, segundo entendo, e não processo penal”. Assim, para ela, o estado de São Paulo não legislou sobre processo, mas sobre procedimento. Disse ainda “que é perfeitamente legítimo no direito brasileiro nos termos do artigo 24, XI da Constituição”, não entendendo haver inconstitucionalidade formal da norma questionada.

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
...
XI - procedimentos em matéria processual;

Mister mencionar ainda, que já existe no ordenamento jurídico brasileiro, dispositivo acerca da utilização legal do interrogatório à distância, por meio eletrônico. Trata-se do Decreto 5.015/04, que confirmou a participação do Brasil junto a 146 países que assinaram a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo. Dispõe o Art. 18, 18:
“Se for possível e em conformidade com os princípios fundamentais do direito interno, quando uma pessoa que se encontre no território de um Estado Parte deva ser ouvida como testemunha ou como perito pelas autoridades judiciais de outro Estado Parte, o primeiro Estado Parte poderá, a pedido do outro, autorizar a sua audição por videoconferência, se não for possível ou desejável que a pessoa compareça no território do Estado Parte requerente. Os Estados Partes poderão acordar em que a audição seja conduzida por uma autoridade judicial do Estado Parte requerente e que a ela assista uma autoridade judicial do Estado Parte requerido.”

Retornando ao voto do relator, muito se discutiu acerca da previsão legal do Art. 185 do Código de Processo Penal, que diz:

Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.
§ 1o O interrogatório do acusado preso será feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, o interrogatório será feito nos termos do Código de Processo Penal.
§ 2o Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor.

Afirmou-se que a matéria (interrogatório) já se encontra explicitamente regulada no artigo supra, sendo a matéria entendida como processo, e em sendo processo, é a União que detém a exclusividade para estabelecer a disciplina legal.

Doutrinariamente e jurisprundencialmente o interrogatório é considerado ato de instrução utilizado como meio de prova e, principalmente, meio de defesa. A lei determina os momentos para o interrogatório (inquérito policial, logo após o recebimento da denúncia ou da queixa, no plenário do Júri, etc. Ademais, é dispensável, pois senão, não haveria julgamento à revelia.
Acho importante reproduzir aqui, parte do brilhante voto Desembargador Ferraz de Arruda, em processo de Habeas Corpus acerca do mesmo assunto:

“... O argumento de que o contato direto do juiz com o réu é necessário porque aquele pode aquilatar o caráter, a índole e os sentimentos para efeito de alcançar a compreensão da personalidade do réu, para mim, é pura balela ideológica.
Em vinte anos de carreira não li em nem decidi um processo fundado em impressões subjetivas minhas, extraídas do interrogatório ou depoimento pessoal do réu. Mesmo porque a capacidade humana de forjar, de dissimular, de manipular o espírito alheio é surpreendente, de tal sorte que é pura e vã filosofia que de um único interrogatório judicial se possa extrair alguma conclusão segura sobre a índole e personalidade do réu. Aliás, nem um experiente psiquiatra forense conseguiria tal feito, ainda mais quando o juiz é obrigado a seguir as formalidades do artigo 188 e incisos do Art. 187, do Código de Processo Penal.
Vamos dar dois exemplos:
1) O juiz condena o réu porque sentiu um certo cinismo de sua parte ao lhe responder as perguntas, inclusive por trazer sempre presente, no canto esquerdo da boca, um leve sorrido (sic) irônico. O juiz pode colocar este seu sentir subjetivo na sentença como elemento de prova contra o réu?
2) O juiz absolve o réu porque este se mostrou choroso e sorumbático no interrogatório. O juiz pode se fundamentar nessas impressões pessoais para absolver o réu ou concluir contra qualquer outra coisa em favor deste? ...”

Superado essa fase sobre tão grande celeuma, proposta quase que exclusivamente pelo STF, é forçoso asseverar acerca das garantias constitucionais que tanto se buscam.

Inicialmente, e com patente razão, é importante que o homem não fique refém da tecnologia, e que ao contrário, a tecnologia seja, de toda forma, uma ferramenta capaz de tornar a vida humana mais confortável e justa.

Diante disso, vejamos:

Dignidade humana (Art. 1º, CF): esse é um tema complexo, mas que em relação ao tópico, justifica-se por si só. Disponho algumas questões: não é mais digno o réu não precisar ser levado fisicamente à presença do juiz, visando com isso evitar o seu deslocamento e gastos com escoltas, por não constituir um meio de prova muito confiável? Não é mais atenuante ao desgaste físico e psicológico do réu, por não ter que se submeter a transporte desumano em viaturas totalmente fechadas, escuras, sem iluminação, sem ventilação, sem banco, sem cinto de segurança e sem a mínima segurança exigível pelo Código de Trânsito Brasileiro, em evidente afronta ao princípio da dignidade humana?

Celeridade processual (Art. 5º, LXXVIII): um réu interrogado por videoconferência tem garantido o rápido andamento do seu processo, visto que (já indicado anteriormente) não dependerá do “falido” Estado para garantir-lhe a remoção até o juízo onde acontecerá audiência. O feito acontecerá no local onde ele esteja recluso, podendo ser em qualquer parte do País.

Ampla defesa e Contraditório: sem comentários acerca desse tema! Não há violação alguma, pois todos os relevantes pontos do Código de Processo Penal são alcançados. Trataremos especificamente do assunto em outra ocasião. Apenas ressalto que no Sistema da Videoconferência adotado pelo Judiciário de São Paulo, não há restrições alguma à defesa penal.
Por fim, só pode haver nulidade quando há prejuízo quanto há eminente afronta ao Art 563 do Código de Processo Penal, que dispõe:
Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.
Em suma, não há hipótese de prejuízo e é lamentável a posição do STF, que insiste a se opor a uma realidade tão presente. Esperemos, todos nós juristas, que a Suprema Côrte também não nos obrigue a utilizar máquinas de datilografia (para evitar famosos cortar/colar) e que nossos tribunais retornem (os que já se informatizaram) ao uso antiquado do papel, em face do digital.