quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Algemas restritas

Algemado sem motivo pode reclamar direto ao STF
por Daniel Roncaglia


Os cidadãos algemados de forma abusiva podem agora reclamar direto ao Supremo Tribunal Federal. Os ministros aprovaram, nesta quarta-feira (13/8), a Súmula Vinculante 11, que restringe o uso de algemas. Todos os juízes e membros da administração pública, como os policias, são agora obrigados a seguir o entendimento estabelecido pelo STF.
A nova súmula determina que “só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
Isso significa que a Polícia só poderá algemar o suspeito quando este ameaçar fugir no momento de prisão ou tentar agredir a autoridade policial. Dessa forma, se não oferecer resistência, o suspeito deve ser preso sem algema sob pena de o Estado ser processado. Além disso, o processo contra o acusado pode ainda ser anulado.
A redação suscitou acalorado debate entre os ministros. Três versões foram apresentadas antes do texto final. O ministro Celso de Mello aproveitou a edição da súmula para afirmar que a limitação da algema não é uma decisão para as pessoas ricas ou pobres.
“Está claro para os destinatários desse comando de que há limites para o uso de algemas”, afirmou. Para ele, o Supremo apenas reforçou o que está disposto no Código do Processo Penal. O ministro citou caso em que Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Peru por expor publicamente pessoas presas com algemas.
O texto foi editado depois que o Supremo firmou posição no sentido de restringir o uso de algema em decisão de quinta-feira passada (7/9). Para os ministros, o uso de algemas viola o princípio constitucional da dignidade humana e, por isso, elas só devem ser empregadas em casos excepcionais.
A decisão foi tomada no Habeas Corpus que pediu a anulação do Júri de um réu que permaneceu algemado durante todo o julgamento. Antonio Sérgio da Silva, o réu, foi condenado pelo Tribunal do Júri de Laranjal Paulista (SP) a 13 anos de prisão por homicídio qualificado. Para a defesa, o uso das algemas durante o julgamento, além de representar constrangimento ilegal, influenciou a decisão dos jurados.
O ministro Marco Aurélio, relator do caso, afirmou que manter um réu algemado durante o julgamento contraria a Constituição. Isso porque é preciso considerar o princípio da não-culpabilidade. Para fundamentar seu entendimento, Marco Aurélio citou diversas garantias constitucionais dos presos como o respeito à integridade física e moral e à informação de seus direitos. Segundo o ministro, esses preceitos repousam no necessário tratamento humanitário do cidadão.
Na quinta, além da edição de Súmula Vinculante, os ministros decidiram mandar cópias do acórdão ao ministro da Justiça, Tarso Genro, e aos 26 secretários de Segurança Pública.
Apesar disso, em operação deflagrada da terça-feira (12/8), a Polícia Federal em Mato Grosso algemou 32 presos, que são suspeitos de participar de dois esquemas de corrupção descobertos no Incra e na Receita Federal.
A PF diz que o uso de algemas seguiu manual interno da corporação e é uma medida de segurança para o “policial e para o detido”. A OAB do Rio criticou a atitude da PF. Segundo o presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, a Polícia precisa aprender que decisão do Supremo é para ser cumprida e não desrespeitada.
“Mais uma vez o trabalho sério de investigação conduzido pela Polícia Federal se desqualifica em função do uso arbitrário e desnecessário de algemas contra pessoas que não ofereciam qualquer resistência à prisão e nem punham em risco a integridade física dos agentes da PF e de terceiros”, afirmou Damous.

Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2008